Caminhos da Reportagem revela luto de mães que perderam bebês

Divulgação TV Brasil

Estimativas mostram que cerca de 20% das gestações não evoluem, resultando em perdas gestacionais. O Caminhos da Reportagem inédito que a TV Brasil exibe neste domingo (18), às 22h, conta histórias de mulheres que perderam bebês e como elas enfrentaram o luto.

Natasha Kurtzenbaum, psicóloga e empresária, perdeu o filho Pedro uma semana antes da data prevista para o parto. “Era uma sexta-feira e a gente foi fazer uma ecografia. O coraçãozinho dele não estava mais batendo. Foi um choque. Na hora que acontece a perda, você não acredita”, conta.

Fragilizada, Natasha ainda teve que tomar uma difícil decisão: optar entre o parto normal ou a cesárea do filho que havia partido. Após a cirurgia, teve vontade de vê-lo, de pegá-lo no colo. Mas, no hospital, alegaram que ele havia sido levado para um local muito longe de onde Natasha estava internada.

“Estava recém-operada, minha mãe estava comigo no hospital. Meu esposo foi atrás do processo do cemitério. Naquele momento, eu pensei: quero ver o Pedro. Isso é o mais difícil de tudo, não ter visto, não ter sentido o cheiro. Porque, depois, quando você começa a compreender o processo do luto, entende que essa criação de memórias faz parte. Todo mundo viu meu filho, menos eu”, desabafa Natasha.

A psicóloga Luiza Geaquinto explica a importância de a mulher ser orientada sobre seus direitos no momento de uma perda gestacional ou neonatal. “A importância de ela entrar em contato com o seu bebê, pegar no colo, tocar, se ela quiser vestir, mostrar pra outros familiares... A literatura tem mostrado que mães que entram em contato com o seu bebê conseguem elaborar melhor esse luto posteriormente, porque ela consegue ressignificar esse momento”.

A carioca Amanda Melo perdeu seu filho após ter complicações no parto. “Enrico nasceu em uma tentativa de parto normal mal administrada. Hoje, eu acho que eu vivi uma violência obstétrica. O parto normal foi revertido em uma cesárea e o Enrico nasceu em parada cardiorrespiratória. Viveu 47 dias e se foi, se libertou dos aparelhos do CTI (centro de terapia intensiva) e foi viver uma vida em outra dimensão”.

Amanda conta que viveu o luto ao lado do marido e da filha Beatriz, que tinha 4 anos à época. “Ela foi o nosso farol. A gente atravessou porque tinha ela iluminando esse percurso super difícil. Bia é uma menina que honra desde sempre a existência desse irmão. É ela que me lembra, quando alguém me pergunta quantos filhos eu tenho, de falar do Enrico, que ele existiu e faz parte da nossa família”.

A psicóloga Camila Altavini ressalta a importância do acolhimento dos irmãos no caso de uma perda. “Inserir essa criança, explicar para ela o que que significa essa perda e ajudá-la também a processar como uma perda de alguém que faz parte da família”.

Fotos dos bebê que partiram

A mineira Paula Beltrão é fotógrafa e, ao longo da carreira, se especializou em registrar partos. Um dia foi procurada por uma cliente que estava grávida de um bebê com uma doença incompatível à vida. “E ela me contratou para registrar esse nascimento, disse que seria o momento dela com o bebê, o momento da despedida. E disse que queria ter esses momentos eternizados através de um registro fotográfico, com um olhar de carinho. Esse bebê viveu uma hora e 20 minutos. Ele partiu no colo da mãe, muito sereno, em um ambiente de muito amor”.

Paula faz parte do Grupo Colcha, um grupo de apoio à perda gestacional e neonatal, sediado em Belo Horizonte. Entre as ações de apoio às famílias enlutadas, está o “kit memória”, uma caixa com registros do bebê que é entregue às famílias acolhidas. Dentro da caixa, além de uma fotografia do bebê, a mãe recebe um quadrinho com a imagem do pezinho do bebê carimbado, um saquinho com uma mecha do cabelo e dois passarinhos de crochê, símbolo do grupo. “A gente orienta a família a deixar um passarinho dentro da caixinha e o outro deixar no caixãozinho com o bebê quando ele é enterrado”, explica.

No início da gestação

A maioria das perdas acontece no início da gestação. A escritora Damiana Angrimani, autora do livro “Perdi meu bebê”, conta que, durante o primeiro exame gestacional, foi constatada ausência de batimentos cardíacos. “Em 2013, eu e meu companheiro planejamos uma gestação e rapidamente engravidamos. Quando a gente foi fazer o primeiro ultrassom para ouvir o coração do bebê, a médica nos informou que não tinha batimentos. E a partir daí começou toda uma série de acontecimentos que me fizeram perceber o quanto nós não estamos instrumentalizados para estar com famílias que perdem seus bebês”.

Damiana explica que ficou na mesma ala das pessoas que estavam tendo os bebês, em frente a um berçário. “Então todos os quartos tinham enfeites de porta de maternidade, menos o meu”.

A jornalista Ana Laura Cartaxo passou por uma situação parecida. Ao perder o bebê no início da gestação, teve de ficar no mesmo ambiente onde mulheres vivenciavam o trabalho de parto. “É tudo muito confuso, porque você fica naquele espaço com um monte de grávidas. Enquanto eu esperava, duas grávidas desceram para sala de parto para ter neném. E eu vendo aquilo tudo. Pode ser rotina para os médicos, mas não é para mim. Foi a primeira vez que eu perdi um neném”, desabafa.

Altavini ressalta a importância de os profissionais da saúde estarem capacitados para lidar com as famílias enlutadas. “É importante colocar essas mulheres num espaço que seja mais adequado, para elas não começarem a imaginar todos os desfechos possíveis dessa falta de batimento cardíaco”.

Colo vazio

A terapeuta corporal Kamilla Kelly Barbosa também atravessou o luto materno. “Foi um processo profundo, onde precisei me recolher bastante, juntar alguns caquinhos, reconhecer as minhas feridas, limpar elas, cuidar delas... Porque a morte é um portal dentro da vida e quando eu entendo isso, quando eu posso viver meus lutos, eu atravesso esse portal e a vida segue”, descreve.

Kamilla, após a perda do seu filho Gabriel, criou o grupo “Mães de estrelas” no Facebook, em parceria com uma amiga, também enlutada. “É muito curador você poder sentar em roda com outras mulheres que passaram por situações muito parecidas, ou mais difíceis do que a sua, e a gente poder se ouvir. Isso é de uma cura muito grande”.

A escritora Camila Goytacaz transformou a dor do luto em livro. “Até breve, José” começou a ser escrito enquanto ela ainda gestava o filho, que partiu apenas 11 dias após o parto. “Eu falo que a gente atravessa o deserto do luto. Então deixei essa dor me atravessar e depois pude ofertar isso para tantas mães. Todos os dias eu recebo mensagem de alguma mãe que me agradece pelo livro e diz estar passando pelo que passei”.

Quando perguntada sobre qual conselho daria a uma mãe que perdeu seu bebê, Camila responde: “eu sei o que você tá passando. Você não está sozinha. Você não precisa atravessar sozinha. Vai melhorar. Confia na vida”.

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