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O programa Caminhos da Reportagem, que a TV Brasil exibe neste domingo (29), às 22h, revela que o Brasil não sabe quantas pessoas vivem sem documento em seu território. A última vez que o país estimou o número de crianças e adultos sem certidão de nascimento, sem a qual não é possível tirar nenhum outro documento, foi na Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (PNAD) em 2015. Eram então 3 milhões de pessoas.
Para a juíza Raquel Chrispino, representante do Poder Judiciário no Comitê Gestor Estadual de Erradicação do Sub-Registro e Acesso à Documentação Básica no Rio de Janeiro, essa é uma situação que precisa ser visibilizada. “O que eu posso dizer empiricamente, como juíza no Rio de Janeiro, é que são milhares. Eu diria até que toda pessoa que está em situação de exclusão tem problema documental”, enfatiza Chrispino.
Ainda hoje é fácil encontrar esses brasileiros no centro do Rio de Janeiro, à procura de atendimento no ônibus da Justiça Itinerante especializado na erradicação do sub-registro de nascimento. Josiene Ferreira dos Santos, moradora de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, levou a filha Yasmin, de 17 anos, para fazer o registro civil. A adolescente não pôde tomar as vacinas contra a Covid, nem se matricular no curso de trancista. “É muito ruim porque eu quero fazer o curso, eu quero trabalhar e não consigo porque eu preciso dos meus documentos”, lamenta Yasmin.
Sem a certidão de nascimento, o acesso às políticas públicas de saúde, educação e bem-estar social é limitado. Não é possível se aposentar, receber Bolsa Família, por exemplo, tampouco viajar de ônibus ou avião. Ao morrer, o indocumentado é enterrado como indigente. “Não ter documentos é estar relegado a uma situação de invisibilidade social”, afirma a jornalista e professora da UERJ, Fernanda da Escóssia, autora do livro “Invisíveis, uma etnografia sobre brasileiros sem documento”.
O problema do pedreiro e pintor Josuel Santana, de 63 anos, é o acesso à segunda via da certidão de nascimento. Tendo nascido em Pernambuco e migrado para o Rio de Janeiro na juventude, ele foi assaltado e teve a certidão e o RG roubados em 1996. Desde então ele busca sem sucesso localizar o registro civil. “Vivo quebrando a cabeça com isso, gastando dinheiro que não tenho e ninguém resolve nada”, reclama.
A juíza Claudia Motta, coordenadora do ônibus, diz que a situação é bastante comum. E aponta que uma das maiores barreiras é a chamada “síndrome do balcão”. “É quando a pessoa chega no balcão e recebe aquela resposta: não é aqui. No nosso caso, não. É aqui. De alguma maneira a gente vai resolver porque é a nossa obrigação”, afirma.
Quanto ao registro de crianças, o Brasil tem avançado. De acordo com as Estatísticas do Registro Civil, divulgadas anualmente pelo IBGE, o índice de sub-registro de nascimento no país caiu de cerca de 20% para 2,59% em pouco mais de vinte anos. O dado se refere à estimativa de bebês até os 15 meses de vida não registrados.
Uma das apostas para erradicar o sub-registro é levar os cartórios para dentro das maternidades. Segundo a Corregedoria Nacional de Justiça, 1.114 unidades de saúde do país oferecem aos pais a oportunidade de registrar os filhos antes de voltarem para casa. Foi assim com outra Yasmin, que ganhou certidão, RG e CPF no segundo dia de vida. “É muito bom sair daqui já com tudo certinho, tudo pronto”, comemora o pai, Felipe de Carvalho Ferreira.
As disparidades regionais fazem com que as dificuldades aumentem em locais onde as pessoas precisam percorrer longas distâncias para ter acesso aos órgãos emissores de documentos. É o que muitas vezes prejudica a documentação de comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas. O que tem feito a diferença nesses casos é o trabalho da justiça itinerante e a realização de mutirões.
A coordenadora-geral de Promoção do Registro Civil de Nascimento do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Tula Brasileiro, explica que está sendo empreendido um esforço para a retomada do Compromisso Nacional pela Erradicação do Sub-Registro de Nascimento, firmado em 2007, e que envolve o diálogo entre o poder executivo, o sistema de Justiça e a sociedade civil para enfrentar ''isso que a gente pode dizer uma indecência, uma barbárie, você ainda ter pessoas sem registro de nascimento.''
A dona de casa Monica da Silva, que chegou a ficar em situação de rua, já tinha completado cinquenta anos quando pegou a certidão de nascimento nas mãos pela primeira vez. ''Eu fiquei muito feliz, passei a ser alguém na vida. Porque eu não era ninguém, né? Agora recuperei minha dignidade.''
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