Podcast indígena 'Papo de Parente' estreia no Globoplay

Divulgação Globoplay

''Pode falar índio? Pode falar tribo? Por que vocês se chamam de parente?''. Para responder essas e outras perguntas que surgem quando o assunto é a cultura e os povos indígenas, o Globoplay estreia, nesta quinta-feira (30), o 'Papo de Parente', seu primeiro podcast indígena. No programa de jornalismo narrativo, Célia Xakriabá e Tukumã Pataxó, influenciadores e grandes referências no assunto, vão liderar de forma leve e educativa conversas necessárias e apaixonantes, com um toque de humor. Do primeiro ao oitavo episódio, o ouvinte aprende com Célia que “antes do Brasil da coroa, existe o Brasil do cocar”.   
 
Recheado de detalhes que trazem muitas imagens à cabeça das pessoas, o programa tem uma narrativa bem visual. Funciona como uma “caixinha de perguntas”, onde artistas e celebridades trazem dúvidas e curiosidades à apresentadora. 
 
A cada semana, Célia Xakriabá, educadora e liderança indígena, responde aos artistas e convida o ouvinte a se conectar com a  cultura indígena por meio da agricultura, culinária, política, literatura, educação, festas, medicina e esportes tradicionais. Célia usa a filosofia, e o pensamento indígena atual e ancestral, para ajudar a entender o indígena no século 21.  
 
Primeiro episódio recebe Caetano Veloso, Lucas Penteado, Letícia Sabatella e Sônia Bridi   
 
“Quero convidar você para uma escuta sensível, não só de ouvido, mas principalmente dos sentimentos dos corações”. É assim que a apresentadora Célia Xakriabá inicia o primeiro episódio da temporada de estreia do podcast ‘Papo de Parente’, ao lado de seu parceiro na apresentação do programa, o comunicador indígena Tukumã Pataxó, que também lidera o quadro ‘Receitas da Terra’. Nesse primeiro episódio, as personalidades convidadas são Caetano Veloso, Lucas Penteado, Letícia Sabatella e Sônia Bridi, que levantam dúvidas como o porquê do uso do termo ‘parente’ e quem é indígena no Brasil. A jornalista Sônia Bridi, do podcast original Globoplay ‘À Mão Armada’, também participa com uma mensagem de boas-vindas à programação da plataforma. 

Tukumã Pataxó, influenciador e estudante de gastronomia na UFBA, é referência na juventude indígena e vai trazer receitas simples, com grande significado, para que as pessoas consigam reproduzir em casa. Serão receitas “para alimentar a alma também”, segundo ele, e que vão desde uma bebida típica como o cauim (cerveja artesanal feita com mandioca) à hidratação com água de coco para o cabelo, passando por banhos de folha para energizar. Sobre serem os primeiros indígenas a fazerem parte do portfólio de podcasts do Globoplay, Tukumã fala sobre a importância da ampliação de suas vozes e resistência de suas gerações antepassadas. “Fazer as coisas pela primeira vez não é fácil. Tenho 22 anos e sou estudante de Gastronomia na Universidade Federal da Bahia, sendo o único aluno indígena da turma. Sou da Aldeia Pataxó Coroa Vermelha, que se tornou símbolo por ser o primeiro local invadido pelos portugueses em 1500, lugar da primeira missa do Brasil. Foi em Coroa Vermelha que os portugueses chegaram, invadiram e tentaram nos tirar a paz, a liberdade, a língua e muitos costumes. Mas estamos até hoje resistindo”, declara ele. 

A edição do programa também é pilotada por outro indígena, Cristian Wariu, do povo Xavante que também faz participações em alguns episódios ajudando Célia a responder os artistas. Cristian já tem experiência em podcast. Ele edita e apresenta o ‘Copiô, Parente?!’ - podcast feito para os povos indígenas e que inspirou a criação do Papo de Parente.

Com entrevistas rápidas, o ‘Papo’ recebe extensa lista de convidados famosos, pois o tema gera interesse e é extremamente relevante para a conscientização de todos. O programa estreia com duas temporadas com quatro episódios cada. A primeira trata de ‘Identidades’ e a segunda tem como tema ‘Curas’. O podcast original Globoplay - acesso via celular - é semanal e está disponível no GloboPlay e Deezer.
 
O podcast é uma realização da produtora Vem de Áudio, com produção e direção criativa de Letícia Leite, jornalista com 10 anos de experiência na cobertura dos temas indígenas e criadora do ‘Copiô, Parente?!’ – podcast semanal do Instituto Socioambiental (ISA) sobre os bastidores da política indígena em Brasília, disponível em tocadores de podcast e enviado por WhatsApp para indígenas que vivem em aldeias de todos os estados brasileiros.
  
Conheça melhor os apresentadores
 
TUKUMÃ PATAXÓ 

É influenciador e tem forte penetração na mídia indígena. Ele é do extremo sul da Bahia, estudante de Gastronomia na Universidade Federal da Bahia e estreou na internet em 2019. Quer trazer a culinária indígena para as pessoas conhecerem.  

Qual a importância de comunicar as causas indígenas? 
A comunicação e ser comunicador indígena é superimportante porque a gente está mostrando nosso olhar como indígena para pessoas que muitas vezes não têm o conhecimento, que conhecem só por série, livro, desenho ou filme. Então estamos mostrando pelo nosso olhar, pela nossa vivência e nossa cultura o que realmente é verdade ou não. 

Você é um grande exemplo de juventude indígena conectada. Como a comunicação e novas mídias ajudam os povos da floresta? 
Ser comunicador é superimportante para que possamos ocupar esses espaços, ter esse lugar de fala dentro da sociedade e para que a sociedade possa aprender quem realmente os povos indígenas são. Não somos mais aqueles povos de 1500, como se tivéssemos ficado parados no tempo, sem ter um celular para se comunicar. Pelo contrário, queremos mostrar que o celular se tornou uma ferramenta de luta para nós. 

O que você acha que a gastronomia indígena tem de mais especial? 
A gastronomia indígena tem tudo de especial. Hoje em dia, os brasileiros se alimentam muitas das vezes, todos os dias, com algo da alimentação indígena e não sabem. A farinha é da gastronomia indígena, o beiju, o açaí, o chocolate. Temos mais de 300 povos dentro do Brasil. Só dentro do meu povo existe uma gastronomia diversa e de aldeia em aldeia já muda alguma coisa. Então, imagine o quanto é rica a culinária tradicional brasileira. Falta a gente poder apresentar isso para o mundo. E agora, com o podcast ‘Papo de Parente’ e o meu quadro ‘Receitas da Terra’, a gente vai poder mostrar ainda mais para o Brasil e para o mundo nossa culinária tradicional.
  
“Parente” é a forma como os indígenas carinhosamente se chamam, mesmo que não sejam da mesma família. Que reflexão essa prática pode trazer para a sociedade? 
O uso da palavra parente é uma forma de a gente se comunicar com todos os povos indígenas. A gente fala que é uma família, o sangue que corre em nossas veias é o sangue de resistência. A gente pode não ser a mesma família materna, mas o nosso sangue, a nossa luta é igual e por isso a gente vira a mesma família. E é superimportante essa conexão que temos com outros parentes de outras etnias. Quando a gente está em uma luta, por alguma causa, podemos ser 300 povos, mas se a gente se reúne ali naquele local para discutir sobre isso, a gente estará discutindo sobre o direito de todos os povos, estaremos sendo uma família só. Então por isso que chamamos muitos outros povos de parente, mesmo quando a gente não se conhece, porque estamos na mesma luta no dia a dia.
 
CÉLIA XACRIABÁ 

Professora ativista indígena com milhares de seguidores nas redes sociais, é uma liderança indígena, educadora com mestrado e doutorado, do povo Xacriabá. Tem um estúdio no meio de uma aldeia indígena.  

Como foi ser a primeira pessoa – e mulher – de seu povo a estudar? 
Para mim é um orgulho muito grande, pois sou bisneta de um dos primeiros leitores de cartas do território Xakriabá. Então para mim ter a oralidade, a caneta, também como uma ferramenta de luta, desde cedo foi muito importante pois falamos que a escola ajuda a demarcar território. Minha trajetória não é individual, é coletiva. Então quando as pessoas me perguntam sobre ser a primeira Xakriabá a concluir um mestrado, eu falo que a gente não se sente mais importante de ser a primeira, pioneira, nós somos “abre caminho”, a gente não quer chegar sozinho, queremos que cheguem outras pessoas. E mais importante do que chegar primeiro é não deixar que sejamos as últimas.
 
De que forma o feminino e a natureza estão conectados, e o que você traz disso para ‘Papo de Parente’? 
Somos a natureza, a terra é mulher, a terra é mãe, a terra é tia. Quando a gente fala da voz da terra, é sobre uma terra que tem poder e o poder da terra. Quando a gente fala do meio ambiente, não é o meio ambiente, no sentido de metade. É o meio ambiente assim como o território, é a totalidade da vida. Então o papo de parente é reconectar com outras línguas e outras linguagens também. Porque já que a terra é mãe, aquele que não entende o seu chamado, certamente terá alguma dificuldade em escutar outras pessoas. Reconectar com o 'Papo de Parente' é reconectar com a voz da terra. 

Qual a importância de iniciativas de comunicação como este podcast para as causas indígenas?  
É importante essa iniciativa da comunicação, porque a luta dos povos indígenas deve ser tomada com a responsabilidade de uma luta coletiva, de toda humanidade. Porque nós, povos indígenas, sustentamos o pulmão do mundo e se acaba para nós, acaba para todos. Somos 5% da população do mundo, mas protegemos em torno de 83% da biodiversidade. Demarcar território não é um bem somente prestado à nós povos indígenas. Mas nós queremos também demarcar múltiplos territórios, o território do pensar, o território do narrar.  Nós precisamos descolonizar o pensamento e a escuta. Então vamos descolonizar a partir do ouvido? Vamos fazer escuta sensível? 

''Parente'' é a forma como os indígenas carinhosamente se chamam, mesmo que não sejam da mesma família. Que reflexão essa prática pode trazer para a sociedade? 
Nós nos chamamos de parente porque nós reconhecemos o cuidado coletivo no outro, a fronteira para nós não está aqui no Cerrado, na Caatinga, na Mata Atlântica, na Amazônia, no Pampa, no Pantanal. A fronteira não está no povo Xakriabá, no povo Xavante, no povo do Norte do Brasil, a fronteira está na violência. E nós cuidamos coletivamente do ser parente, por isso, falamos que nesse podcast 'Papo de Parente', as pessoas vão aprender que precisamos reconectar com a relação de irmandade da casa comum da humanidade. É muito urgente retomar essa relação de parentesco. Comer também, compartilhar, e não somente o alimento que enche a barriga, mas o alimento que nos reconecta também com a nossa própria identidade. Ser parente é também entender que para o cuidado do outro, a gente não precisa conhecer, a gente precisa respeitar e cuidar. A diferença para nós nunca foi problema, o problema é a indiferença, que mata toda a nossa forma de ser e principalmente a nossa identidade. Vamos ser parente, Brasil? A humanidade está precisando retomar o ser parente.

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