Divulgação Igor Tripolli |
A TV Globo exibe no dia 19 o 'Falas da Terra', especial que pretende lançar luz à pluralidade e à luta dos indígenas pelo direito de existirem e serem ouvidos, fazendo um resgate histórico de valorização de suas culturas. As histórias, apresentadas em depoimentos em primeira pessoa, a fim de mostrar as várias maneiras de ser indígena, traduzem a riqueza cultural dos mais de 300 povos existentes no Brasil, que falam aproximadamente 200 línguas diferentes.
Essa luta dos indígenas, de resistência e existência, passa por diversas temáticas. Entre elas, a Educação. Daniel Munduruku, escritor e vencedor do prêmio Jabuti e do Prêmio de Literatura pela Unesco, há anos luta pela divulgação da cultura indígena e acredita que ela deva acontecer principalmente por meio da Educação. Daniel defende que o Dia do Índio seja um dia de consciência indígena e não uma data de celebração, como acontece nos dias atuais.
“Se no material didático das escolas aparecem informações equivocadas, acabam virando verdade. A instituição não muda com facilidade, por isso é importante que a mudança comece por aqueles que movimentam a estrutura, que são os professores. Conscientizar os educadores é fundamental para que a transformação aconteça. Isso é um trabalho de base que precisa ser feito, mas, antes, os educadores precisam descobrir que foram enganados pelo sistema que os educou para serem repetidores de equívocos. Eu acredito que a Educação é pedra fundamental na revolução necessária para que o Brasil passe a ser um país de todos e para todos igualmente”, diz Daniel, que é Mestre e Doutor em Educação.
Sobre o dia 19 de abril como um dia de consciência indígena – e não de celebração –, Daniel explica. “A palavra “índio” é uma ficção que foi introjetada na mente dos brasileiros pelo sistema oficial de ensino. É uma palavra que não diz quem somos, mas o que as pessoas acham que somos. Costumam nos chamar de preguiçosos, selvagens, atrasados, inúteis. Todos estes adjetivos estão dentro da palavra “índio. Ela nega o que somos porque assim aprendemos. Para que novos significados façam parte de nosso repertório, é necessário criarmos consciência do que os povos indígenas são, de verdade. Isso só é possível se abandonarmos o uso desta palavra como identificação e assumirmos que ela é, na verdade, negação. Não celebrar o dia 19 é, portanto, um ato de resistência contra a barbárie que nossos povos vivem”, explica.
Ailton Krenak, líder indígena, ambientalista, filósofo, escritor e poeta, concorda com Daniel. A luta de Krenak pelo respeito ao indígena e pelo direito de ser índio no Brasil é conhecida nacional e internacionalmente. Krenak luta pelo direito do índio interagir com o mundo não-indígena sem perder o vínculo com a própria cultura. No especial ‘Falas da Terra’, além de ter dado seu próprio depoimento como convidado, Ailton Krenak atuou como consultor, construindo o especial junto com a diretora artística Antonia Prado.
Sobre o papel da escola como protagonista dessa conscientização, Ailton lembra que isso é previsto inclusive em lei. “Nós temos a lei 11.645 que orienta ações educativas de História e Cultura Indígena em nossas escolas, uma abertura recente que deve ser ocupada por novas abordagens da nossa presença na vida brasileira. O dia 19 de abril foi estabelecido como uma convocatória na década de 1940, no Congresso Indigenista, para denunciar o Genocídio Ameríndio. Não celebrando nada, apenas invocando o dever dos Estados nacionais em convocar a mobilização e respeito aos Direitos dos Povos Indígenas”, lembra o escritor.
Outra educadora que participa do especial é Emerson Uýra. Artista visual, formada em Biologia e mestre em Ecologia, para Emerson, o dia 19 de abril merece uma revisão e atualização. “O ‘Dia do Índio’ sempre foi um terror em toda minha vida escolar, era muito desagradável (e continua sendo) a representação folclorizada que o país faz da gente. Continuam a ensinar que nós indígenas ficamos no Século 16. O mito do nosso desaparecimento é um dos nossos maiores desafios ainda hoje, onde seguimos tão plurais e habitando diversos territórios e espaços de narrativa. Concordo com o parente Daniel Munduruku: ao invés do caricato ‘Dia do Índio’, a data de 19 de abril poderia ser chamada de ‘Dia da Diversidade Indígena’ – diversidade é e sempre foi a essência indígena”, reflete Emerson.
Em sua prática enquanto artista educadora, Emerson busca ativar mutuamente nos jovens a sua autonomia, desde o seu fazer artístico às suas vozes perante o mundo. “Em minha prática com os jovens, que habitam principalmente as margens dos rios do Amazonas, a floresta é utilizada diretamente com seus elementos orgânicos e suas histórias para a produção de todas as artes que produzimos (pintura, ilustrações, figurinos, maquiagens, teatro, dança, música, etc.). Com isto, reativamos a sua autoestima, por saber construir a partir do que habita o seu próprio quintal e imaginário, ambos permeados pela memória das tradições e saberes originários e indígenas. As produções envolvem o tecer de palhas e fibras, o registro e produção de cantos dos bichos, a reprodução das formas e funções das plantas, o registro e propagação das histórias dos mais velhos, e assim por diante. O objetivo é lembrar e garantir a transmissão do que habita de cultura nestes territórios”, conta a artista.
Maial Kayapó é também uma das personagens do especial. Ativista indígena, ela luta pela valorização e preservação dos costumes e da cultura indígena, e enxerga a pintura corporal como uma identidade dos povos indígenas. Além disso, assim como Daniel, Ailton e Emerson, acredita que a mudança na forma como os brasileiros enxergam os indígenas deve começar na escola. “O mês de abril é o mês da visibilidade indígena. Especificamente o dia 19, significa um ato de resistência dos povos indígenas e precisamos descolonizar o pensamento sobre esses povos. É importante dar visibilidade à nossa cultura, aos nossos direitos, aos nossos saberes ancestrais. Somos protagonistas da nossa história, dos nossos próprios saberes. Precisamos falar que o Dia do Índio não é aquele da escola, que coloca um papel como forma de cocar, precisamos que as escolas e a sociedade não indígena escutem nossa voz, conheçam nossa cultura, nossa diversidade. Precisamos desses espaços e estamos neles para desconstruirmos esse olhar colonizador e muitas vezes racista sobre os povos indígenas”, finaliza.
No especial ‘Falas da Terra’, ao todo, serão 21 depoimentos em primeira pessoa com informações sobre preservação da cultura, língua e costumes dos diversos povos; proteção do meio ambiente e da vida; respeito à diversidade; histórias de resistência e ativismo; demarcação de terras; invasão de territórios demarcados; preservação das florestas; importância da literatura para ajudar na conscientização; entre muitos outros temas.
‘Falas da Terra’ tem direção artística de Antonia Prado, roteiro assinado por Malu Vergueiro, consultoria de Ailton Krenak e coautoria de Ziel Karapató, Graciela Guarani, Olinda Tupinambá e Alberto Alvarez. Rafael Dragaud assina a supervisão artística e Mariano Boni a direção de gênero. O especial será exibido no dia 19 de abril, quando é celebrado nacionalmente o Dia do Índio, após o ‘BBB 21’.
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