Divulgação Globo/Victor Pollak
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A TV Globo exibe no Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, o especial 'Falas Negras', com 22 depoimentos reais de pessoas que lutaram contra o racismo e pela liberdade, a favor da justiça, em registros biográficos ou em vídeos que a História nos ofereceu. Essas falas históricas são interpretadas por atores, todas em primeira pessoa, em um projeto criado por Manuela Dias, sob a direção de Lázaro Ramos. Desde os relatos coloniais de Nzinga Mbandi, que datam de 1626, aos ensinamentos pacifistas de Martin Luther King Jr., passando pela veemência de Malcolm X e Angela Davis, até a força de Marielle Franco, ou as dores de Mirtes Souza, mãe do menino Miguel, e Neilton Matos Pinto, pai de jovem João Pedro, ‘Falas Negras’ mostra que o espírito de luta e de resistência dos povos afrodiaspóricos ultrapassa a barreira do tempo, os limites territoriais, e permanece vivo até os dias de hoje.
''O projeto nasceu durante a pandemia, durante três semanas de episódios tão simbólicos. Teve o assassinato do João Pedro, na semana seguinte o assassinato do George Floyd, e depois teve a morte do Miguel, um assassinato indireto que evidencia de forma quase caricatural a nossa chaga histórica. Isso tudo me mobilizou e propus para a TV Globo que a gente fizesse o especial. Sugeri abrir espaço para essas aspas para mostrar a inconformidade com o que a gente vem vivendo há mais de 500 anos'', explica Manuela.
Entre a produção de um capítulo e outro de ‘Amor de Mãe’, novela das nove, da qual é autora e que retomou as gravações no mês de agosto, Manuela organizou os textos selecionados após uma extensa pesquisa de Thaís Fragozo sobre depoimentos históricos: “Eu vejo o ‘Falas Negras’ como telefilme e como uma obra de arte. Assim como o ‘Human’ (documentário do cineasta Yann Arthus-Bertrand), como ‘Jogo de Cena’ (documentário de Eduardo Coutinho), como muitos filmes que trabalham com depoimentos reais ficcionalizados. Além de ter Caravaggio como inspiração para a fotografia”.
Lázaro Ramos, junto da assistente de direção Mayara Pacífico, conduziu por dez dias ensaios feitos de forma remota, onde o elenco contou com a preparação da atriz Tatiana Tibúrcio e teve aulas sobre a trajetória dos personagens dadas pela antropóloga Aline Maia, que também é consultora do especial. “Procuramos atores que fossem bons contadores de história, porque o projeto, na verdade, é isso. Ele não tem grandes movimentos de câmera e mudanças de cenários, aposta na capacidade de os atores contarem bem essa história, que é o que vai fazer com que o espectador se envolva com ela”, explica Lázaro.
A cenografia, assinada por Mauro Vicente Ferreira, levantou um baobá, de proporções reais - sendo cinco metros de altura e a copa de seis metros de diâmetro - dentro do cenário para abrir o especial. Ao longo do programa, os demais cenários contam com fundo cenográfico de texturas, que funcionam como pano de fundo das histórias. “Não queríamos grandes interferências da cenografia, por se tratar de uma temática tão delicada. Pensamos em iniciar o projeto pela África e o que poderia ter essa referência, o baobá, que é a árvore-mãe, um elemento tão presente no continente e com todo simbolismo que ele representa. E o resultado ficou incrível”, comenta Mauro, que também trabalhou com um piso com uma textura semelhante a do barro para compor esse cenário.
Para o figurino do especial, assinado por Tereza Nabuco, a opção foi executá-lo da maneira mais próxima das imagens disponíveis nos canais de pesquisa. “Estamos falando de várias personalidades, algumas desconhecidas da grande maioria. A intenção é aproximar o público dessas imagens e, mais ainda, dessas pessoas. A ideia é abrir a porta para a primeira apresentação. Não é um documentário, portanto, com base na realidade, podemos ficar livres também para reforçarmos o que achamos de relevante em cada um, seja com adereços, cabelo, roupas e, principalmente, as atitudes. O grande destaque nesse projeto são as palavras que saem da boca desses heróis. Se hoje estamos aqui contando essa história para um canal aberto, é porque eles deram muitos passos nessa direção, abriram caminhos”, defende a figurinista.
E todas as falas são muito fortes. Lázaro Ramos confessa que, desde o seu primeiro contato com os textos, ficou mexido. “Quando li o material todo, fiquei parado por um tempo pensando em como que eu ia lidar com aquilo. Mas, ao mesmo tempo, sei que tudo aconteceu de verdade, não tem ficção aqui. É o que a nossa História produziu. Então, senti como um convite para refletir sobre como a gente vê a História. O meu desejo é que as pessoas se sintam motivadas a agir. É a nossa História, foi o que nós produzimos. E aí? O que faremos com isso?”, devolve ele.
Idealizado e organizado por Manuela Dias, ‘Falas Negras’ é dirigido por Lázaro Ramos, conta com Thaís Fragozo na pesquisa e Aline Maia como consultora e pesquisadora. Integram o elenco do especial Fabricio Boliveira, Babu Santana, Guilherme Silva, Ivy Souza, Naruna Costa, Taís Araujo, Heloisa Jorge, Barbara Reis, Mariana Nunes, Izak Dahora, Silvio Guindane, Olivia Araujo, Reinaldo Junior, Aline Deluna, Flávio Bauraqui, Bukassa Kabengele, Angelo Flavio, Samuel Melo, Aílton Graça, Tulanih Pereira, Valdineia Soriano e Tatiana Tiburcio. O especial vai ao ar no dia 20 de novembro, logo após ‘A Força do Querer’.
Perfis dos personagens
Nzinga Mbandi (Heloisa Jorge) – A rainha do Reino do Dongo e Matamba nasceu na Angola e viveu entre 1583 a 1663, e simboliza a resistência africana à colonização e a comercialização de escravos. Foi uma rainha combatente, destemida, chefiou pessoalmente o exército até os 73 anos de idade.
Olaudah Equiano (Fabrício Boliveira) – O escritor nigeriano, que viveu entre 1745 e 1797, foi sequestrado e escravizado quando tinha 11 anos e negociado por comerciantes locais. Ele foi enviado através do Atlântico para Barbados e depois para a Virgínia. Por lá foi vendido a um oficial da Marinha Real, com quem viajou pelos oceanos por cerca de oito anos, período em que aprendeu a ler e escrever. Conseguiu comprar a própria liberdade, e, em Londres, ele se envolveu no movimento para abolir a escravidão. Em 1789, ele publicou sua autobiografia, que é um dos primeiros livros publicados por um escritor negro africano.
Toussaint Louverture (Izak Dahora) – O líder da Revolução do Haiti viveu entre 1743 e 1803, foi escravizado até os 30 anos, e ainda assim aprendeu a ler e escrever. Ao ganhar a alforria, em São Domingos (atual Haiti), Toussaint liderou o levante que conduziu os africanos escravizados a uma vitória sobre os colonizadores franceses, aboliu a escravidão no local. Capturado e preso em 1802, ele deixou o Haiti sob o comando de Jean-Jacques Dessalines, que venceu a revolução e, em 1804, proclamou a independência de São Domingos.
Harriet Tubman (Olivia Araujo) - Ex-escravizada, tem data de nascimento imprecisa, tida como 1820 ou 22, e viveu até 1913. Ela se alistou como cozinheira e enfermeira durante a Guerra Civil Americana para espionar e captar informações, e ali ajudou na fuga de centenas de escravizados dos territórios dominados das fazendas do sul dos Estados Unidos rumo ao norte do país, onde não havia escravidão, e ao Canadá.
Mahommah G. Baquaqua (Reinaldo Junior) - Ex-escravizado, viveu entre 1820 e 1857, nasceu na África Ocidental, no atual Benin, veio em um navio negreiro que aportou em Pernambuco. Mas o trabalho em um navio mercante, que o levou para Nova York, mudou sua vida completamente. Naquela época, os estados do Norte dos Estados Unidos já tinham abolido a escravidão, e Baquaqua conseguiu fugir. Em Detroit, publicou sua biografia, que é um dos poucos registros da época contados nas palavras de um negro escravizado no Brasil, e que descreve em detalhes os hediondos castigos cometidos contra os escravizados no país.
Virgínia Leone Bicudo (Aline Deluna) - Socióloga e primeira mulher psicanalista brasileira, nasceu em São Paulo e viveu entre 1910 e 2003. Cofundadora da Sociedade Brasileira de Psicanálise, é uma das responsáveis por importantes publicações na área.
Luiz Gama (Flavio Bauraqui) - Importante líder abolicionista, jornalista e poeta brasileiro, nasceu em Salvador e viveu entre 1830 e 1882. Filho de um descendente de portugueses com uma escravizada liberta, a revolucionária Luiza Mahin, foi vendido pelo próprio pai, depois que sua mãe foi exilada por motivos políticos. Autodidata, se tornou um dos advogados abolicionistas mais atuantes do país, responsável pela libertação de centenas de negros mantidos no cativeiro.
Rosa Parks (Barbara Reis) - Ativista dos direitos civis, nasceu nos Estados Unidos e viveu entre 1913 a 2005. Atuava no Montgomery, capital do Estado de Alabama, no Sul dos Estados Unidos, centro dos maiores conflitos raciais do país. É tida como a “mãe do moderno movimento dos direitos civis” nos Estados Unidos.
Nelson Mandela (Bukassa Kabengele) - Advogado, presidente da África do Sul, viveu entre 1918 e 2013. Mandela liderou o movimento contra o Apartheid - legislação que segregava os negros no país. Condenado em 1964 à prisão perpetua, foi libertado em 1990, depois de grande pressão internacional. Recebeu o “Prêmio Nobel da Paz”, em dezembro de 1993, pela sua luta contra o regime de segregação racial.
James Baldwin (Angelo Flavio) - Escritor, dramaturgo, poeta e crítico social, nasceu nos Estados Unidos e viveu entre 1924 e 1987. Na escola, seu talento para a escrita foi notado desde cedo e foi estimulado por professores. Em Paris, escreveu o livro semiautobiográfico ‘Go tell it on the mountain’, publicado em 1953 e considerado pela revista Time, em 2005, um dos 100 melhores romances de língua inglesa do século 20.
Malcolm X (Samuel Melo) – Ativista de direitos civis, nasceu nos Estados Unidos, viveu entre 1925 e 1965. Por influência dos irmãos aderiu ao islamismo. Por conta de sua inteligência, oratória, personalidade forte, logo arrebatou multidões. Com o tempo, seus discursos ficaram cada vez mais concorridos e inflamados. Assim como sua popularidade cresceu, aumentou sua rejeição e fez inimizades que o levaram a ser assassinado.
Milton Santos (Aílton Graça) - Geógrafo, jornalista, advogado e professor universitário, nasceu em São Paulo, e viveu entre 1926 e 2001. É reconhecido mundialmente como um dos maiores geógrafos brasileiros e, em 1994, foi consagrado com o Prêmio Vautrin Lud (algo como o prêmio Nobel da Geografia) e tem mais de 40 livros publicados em sete línguas.
Martin Luther King (Guilherme Silva) - Pastor batista e ativista político, nasceu nos Estados Unidos, viveu entre 1929 e 1968. Dentro do movimento negro, lutava pela igualdade civil entre negros e brancos e tinha como estratégia de luta o método da não-violência e a pregação de amor ao próximo, inspiradas nas ideias cristãs.
Nina Simone (Ivy Souza) - Cantora, compositora e ativista pelos direitos civis, nasceu nos Estados Unidos, viveu entre 1933 e 2003. Usava suas canções para expressar sua revolta com os conflitos raciais que testemunhou desde a infância no Sul dos EUA.
Lélia Gonzalez (Mariana Nunes) - Historiadora, antropóloga e professora, nasceu em Belo Horizonte, e viveu entre 1935 e 1994. Intelectual que dedicou parte de seu trabalho a analisar os efeitos da nefasta combinação entre racismo e sexismo na situação das mulheres negras, além de discutir a linguagem e criar as noções de amefricanidade e pretuguês.
Muhammad Ali (Babu Santana) - Maior pugilista da História, eleito "O Desportista do Século", nasceu nos Estados Unidos, viveu entre 1942 e 2016. Ali nasceu Cassius Clay e a vitória no pugilismo veio junto com sua conversão ao islã e a mudança de nome. Ele passaria então a se chamar Muhammad Ali. Convocado, recusou-se a ir à guerra do Vietnã e desafiou o governo americano. A atitude rendeu a cassação de seu título de pesos pesados e o deixou por três anos longe dos ringues até que a Suprema Corte decidisse a seu favor.
Angela Davis (Naruna Costa) - Filósofa e ativista, nasceu em 1944 nos Estados Unidos. Ainda adolescente ela organizou grupos de estudo inter-raciais, que acabaram perseguidos e proibidos pela polícia. Foi perseguida por sua associação com o partido comunista americano e com os Panteras Negras, condenada e presa sem provas. Depois da prisão, Angela se tornou uma influente professora de história e passou a militar contra o sistema carcerário norte-americano.
Luiza Bairros (Valdineia Soriano) - Administradora e cientista Social, nasceu em Porto Alegre, viveu entre 1953 e 2016. Foi um dos nomes mais atuantes do Movimento Negro Unificado (MNU), a principal organização da comunidade negra do país na segunda metade do século XX, também ficou marcada por sua trajetória política. Foi secretária de Promoção da Igualdade Racial da Bahia entre 2007 e 2011 e ministra-chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Brasil, entre 2011 e 2014.
Marielle Franco (Taís Araujo) - Vereadora, socióloga, ativista de direitos humanos, nasceu no Rio de Janeiro, no Complexo da Maré, viveu entre 1979 e 2018. Eleita vereadora em 2016, presidiu a Comissão de Defesa da Mulheres e foi executada na noite de 14 de março de 2018. Sua morte virou um marco e motivou protestos por vários países do mundo. Ainda hoje o caso não foi desvendado. A vereadora defendia as causas das mulheres, negros, LGBTs e da periferia.
Mirtes Souza (Tatiana Tiburcio) – Mãe do menino Miguel Otávio, que morreu após cair de um prédio de luxo no Recife.
Neilton Matos Pinto (Silvio Guindane) – Pai do adolescente João Pedro Matos Pinto, assassinado na favela do Salgueiro, em São Gonçalo.
Jovem protesto George Floyd (Tulanih Pereira) – Atriz interpreta um misto de depoimentos de manifestantes à época do trágico episódio que culminou com a morte de George Floyd, dando início a uma onda de protestos em várias partes do mundo.
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