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O programa Impressões que a TV Brasil exibe domingo (9), às 22h30, entrevista Florence Bauer, representante do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil. Na conversa com a jornalista Katiuscia Neri, Florence comenta sobre os desafios das instituições de ensino para a retomada das aulas presenciais, suspensas desde o primeiro trimestre para conter a contaminação pelo coronavírus, e de como as diferentes realidades entre regiões brasileiras e a exclusão digital ampliam as dificuldades.
Profissionais de educação e pais, em muitos municípios brasileiros, começam a vislumbrar os primeiros sinais de uma retomada do ensino presencial. Nas cidades onde a contaminação da Covid-19 entrou em patamares mais estáveis, os governos autorizaram a reabertura de escolas e definiram calendários.
A notícia gera ansiedade sobre a capacidade dessas instituições de garantir medidas sanitárias para evitar que a pandemia se restabeleça ou até ganhe maiores proporções. “Vai ter que ter instalações para lavagem de mão, higienização, distanciamento e vai ter que ter um programa de cuidado para re-incluir, sobretudo, as crianças e adolescentes que ficaram desvinculados nesse período e não puderam estudar da mesma maneira como outras crianças. Tem que ter um cuidado individualizado”, alerta Florence.
Para a entrevistada, a diferença entre as regiões brasileiras e até mesmo dentro dos mesmos limites estaduais revela situações de escolas que sequer conseguiam garantir instalações apropriadas para aulas. Agora, terão que enfrentar o desafio de assegurar condições de higiene ainda mais exigentes e o distanciamento.
Florence Bauer também alerta sobre “o risco de perder uma geração”. A especialista ressalta, principalmente, a parcela de adolescentes que se distanciou da comunidade escolar. “Mesmo antes da pandemia, havia 1,7 milhão de crianças e adolescentes fora da escola e uma grande parte são adolescentes. Só uma parte [dos que já estudavam] conseguiu ter acesso a um tipo de educação, mas uma parte não tem nem acesso à internet. [A adolescência] é uma fase de vida que esse vínculo é fundamental para o desenvolvimento”, afirma.
Segundo ela, as escolas terão que se empenhar na busca ativa pelas crianças e adolescentes para uma integração e inclusão fluida, que respeite a situação de cada um.
No programa de domingo, a especialista em políticas sociais lembrou que, ao longo desse período de fechamento das instituições de ensino, profissionais da área tiveram que se adaptar rapidamente ao modelo de ensino à distância. Para essa continuidade dos estudos foi fundamental o acesso à rede de internet. Mas, no Brasil, mesmo antes da pandemia, a exclusão digital já era uma realidade que ganhou proporções mais graves no atual momento.
Quase cinco milhões de crianças e adolescente entre 9 e 17 anos não têm acesso à internet no país. “Mais do que nunca a gente entendeu as consequências dessa exclusão digital. Nesta situação de pandemia, cada um de nós dependemos muito do acesso à internet, para ter acesso a qualquer tipo de informação”, destacou a representante da Unicef no Brasil.
A situação é ainda mais delicada quando se considera que, entre os que têm acesso, nem todos conseguem utilizar as redes com facilidade e volume de dados suficientes. Bauer reconhece que há um movimento generalizado em busca de melhorias neste setor e cita as negociações com empresas de telecomunicação e debates sobre leis de acesso a fundos de recursos que poderiam ser utilizados para ampliar essa infraestrutura no país. “Tem uma série de movimentações acontecendo mas é preciso que elas se concretizem. É o momento de dar um passo radical para oferecer esse pacote mínimo [de acesso de dados] a todas as crianças e adolescentes, sobretudo os mais vulneráveis, como uma forma de buscar a inclusão digital”, defendeu.
Bauer aposta que a crise global vai provocar uma revisão de padrões de ensino e uma combinação de modelos. “Estamos em uma oportunidade única para fazer mudanças profundas que talvez não conseguiríamos fazer em situações normais. Nosso desafio é aproveitar o momento para repensar a educação e ter uma combinação da educação presencial e à distância”, defendeu.
O acesso à educação é um dos principais direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que completou 30 anos em julho, sendo apontado, pela representante do Unicef, como uma das legislações mais sofisticadas do mundo e que coleciona avanços significativos ao longo dessas três décadas.
Na lista de conquistas elencada por Bauer está a redução de mais de 70% da mortalidade infantil, em decorrência de medidas como reforço do Sistema Único de Saúde (SUS), aumento dos níveis de imunização por vacina e campanhas de promoção do aleitamento materno e acompanhamento pré-natal. Outro dado é a retirada de quase cinco milhões de crianças e adolescentes do trabalho infantil.
Florence ainda lembra que, antes da implementação do ECA, 20% das crianças não iam para escola. “Isto passou a 5% e, ao mesmo tempo, o Brasil aumentou o número de anos de escolaridade obrigatória”, comemorou. Mas, com a fragilização inevitável de alguns direitos neste momento de pandemia, a especialista defende um esforço redobrado. “O fundamental é colocar as crianças e adolescentes no centro das políticas públicas. Mais do que nunca é fundamental aplicar o princípio da prioridade absoluta. Investir mais em educação, saúde e prevenção da violência para consolidar os avanços conquistados até agora”, concluiu.
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