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Com trajetória diretamente ligada à valorização e ao resgate da cultura negra, Clementina de Jesus (1902-1987) é considerada o elo perdido entre Brasil e África. Neta de escravos e natural de Valença, interior do estado do Rio de Janeiro, começou tardiamente a carreira artística pelas mãos do produtor cultural Hermínio Bello de Carvalho. Antes disso, foi doméstica por 20 anos. Com imagens inéditas e depoimentos de amigos, familiares e historiadores, parte significativa da história de vida e da carreira da cantora é contada em “Clementina”, documentário dirigido por Ana Rieper, com pesquisa de Pedro Paulo Malta, e produzido exclusivamente para o Curta! pela Dona Rosa Filmes. A estreia é 8 de abril, às 22h20.
“Clementina” trata de questões relacionadas à herança cultural dos negros que foram escravizados no Brasil, sendo a própria Quelé, como a cantora era apelidada, uma representação desse legado na música, nas habilidades culinárias e em traços de sua religiosidade. Mesmo católica praticante, ela mantinha as rezas e o uso de ervas para “benzer”, conforme aprendera com sua mãe, filha de escravos.
O documentário aborda a tradição oral, isto é, o costume de se transmitir uma mensagem de geração em geração, comum nas sociedades africanas. Também promove uma viagem pelos diversos jongos e cantigas centenárias que Clementina guardava na memória e mantinha em seu repertório musical. “Ela traz essa memória ancestral de uma maneira muito vigorosa (...), naquele sentido em que você ouve dos mais velhos, conta para os mais novos, para que os mais novos um dia contem sua história e, assim, você permaneça”, explica o historiador Luiz Antônio Simas, um dos depoentes do filme.
Outros detalhes da vida pessoal e da carreira de Clementina são contados ao longo da produção por ela mesma, em um compilado de entrevistas que concedeu, e por pessoas que a conheceram ou estudaram sua obra. Entre os entrevistados, o neto da cantora, Bira de Jesus, leva o espectador para conhecer a vizinhança onde viviam antes de seu estrelato; Seu Mané e Mãe Tetê, descendentes de escravos, contam um pouco sobre a cultura negra no Vale do Paraíba, onde Clementina nasceu; Nei Lopes e Luiz Antônio Simas falam dos aspectos históricos e explicam os termos e costumes africanos mencionados; e os sambistas Nelson Sargento, Tantinho da Mangueira e Alcione contam detalhes da relação com o samba e da carreira antes e depois da fama.
Também entrevistado, Hermínio Bello de Carvalho relembra quando a conheceu. O produtor musical a viu, já com 62 anos, enquanto cantava e dançava jongo nos festejos à Nossa Senhora da Glória, identificou o potencial de sua voz rascante e a força de sua presença e decidiu lançá-la no mercado fonográfico. Porém, é enfático em rejeitar o posto de “descobridor” de Quelé, afirmando que apenas “prestou atenção” nela. É dele a pergunta que move o documentário: por que não prestaram atenção antes?
O documentário participou, no ano passado, da Mostra São Paulo e do Festival do Rio.
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