Como ficam a SKY e a Turner no Brasil? (Imagem/Divulgação) |
A AT&T deu início no último dia 8 de março ao ato de concentração junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para a compra do grupo Time Warner. A aprovação do Cade é necessária porque tanto a AT&T quanto a Time Warner, por meio das programadoras Turner e HBO, têm atuação relevante no mercado brasileiro. A AT&T atua diretamente no mercado corporativo e, indiretamente, como acionista controladora da DirecTV, que no Brasil é dona da Sky, operadora de TV paga com 5,2 milhões de clientes. O processo no Cade corre sob sigilo.
Ainda não se sabe se alguma das agências reguladoras (Anatel ou Ancine) irá analisar a operação especificamente em relação às restrições de controle cruzado estabelecidas pela Lei do SeAC, que impede que empresas distribuidoras de telecomunicações controlem empresas de conteúdo. Mas possivelmente as agências deverão se manifestar se forem provocadas pelo Cade, o que é comum nestes casos.
Análise
Ainda há muitas interpretações sobre a aplicação da restrição prevista no artigo 5 da Lei do SeAC em relação à compra da Time Warner pela AT&T. Trata-se de uma operação global de mais de US$ 85 bilhões e que representa uma mudança estratégica sem precedentes para a gigante de telecomunicações. O Brasil é apenas um detalhe no processo. Mas os negócios em TV paga no Brasil têm um peso considerável e têm sido objeto de uma análise mais detalhada por parte dos times regulatórios tanto da AT&T quanto da Time Warner (que até a aprovação do negócio nos EUA, trabalham de maneira independente).
A primeira leitura é que a fusão não seria possível, já que uma empresa de telecomunicações teria o controle sobre uma distribuidora e uma programadora. Existe o argumento de que a Turner (e a HBO) teriam no Brasil, na prática, apenas escritórios de representação, sendo os contratos de programação celebrados todos por suas matrizes fora do país, onde de fato estariam as programadoras. Não seriam, portanto, programadoras brasileiras.
Mas a Ancine pode interpretar que a restrição da Lei do SeAC se mantém, já que há uma Instrução Normativa (IN 102/2012) da agência do audiovisual que fala exatamente sobre estes casos. Esta IN estabelece que "o exercício da atividade de programação do exterior para o Brasil somente será permitido às programadoras estrangeiras que se sujeitarem às leis e foro brasileiro, quanto aos atos ou operações praticados no exterior que produzam efeitos no Brasil, incluindo as obrigações previstas na Lei nº 12.485/2011, nos mesmos termos em que se aplicam às empresas com sede no Brasil".
Do ponto de vista da Anatel, é necessário olhar as relações de controle entre as empresas, o que é definido pela Resolução 101/99 da agência. Neste caso, vínculos de controle no exterior são aplicados para caracterizar controle no Brasil. Mas a Anatel tem sido flexível ao aplicar a Resolução 1010, permitindo, por exemplo, o uso de remédios paliativos, como restrições de participação em conselho e vedação de poder de voto em determinados casos.
Caso algumas destas restrições seja considerada um impeditivo para a compra da Time Warner pela AT&T, a tele norte-americana teria ou que deixar o controle da Sky, ou a Time Warner deixar de atuar no Brasil. Mas mantida a regulamentação atual, não bastaria tirar a programadora do país. Seria necessário tirar os conteúdos das operadoras de TV por assinatura regidas pela Lei do SeAC. Pelas regras vigentes (considerando-se a interpretação mais restritiva das regulamentações de controle da Anatel e da Ancine), apenas se a distribuição dos canais fosse exclusiva pela Internet não haveria nenhuma restrição, pois a lei não abrange esta forma de distribuição.
Esta semana, a Turner (que no Brasil opera canais como CNN, TNT, Cartoon entre outros) anunciou a saída de executivos importantes, inclusive o general manager, Gustavo Diament, o que levou a uma especulação sobre a saída da programadora do Brasil e a transferência de suas operações para a Argentina ou Miami. Mas esta informação ainda não se confirmou. Tudo indica que Gustavo Diament deixou a empresa por divergências em relação à condução da estratégia da programadora no Brasil e dificuldades de relacionamento com os seus principais clientes, que são as operadoras de TV paga locais. Mas saíram também Daniela Vieira, responsável pelo Cartoon, e Rogério Gallo, responsável pelos canais de filmes e séries, sem explicações claras.
Poderia este enxugamento ter sido um movimento de antecipação, por parte da Time Warner, para uma eventual retirada futura da programadora do Brasil e, assim, facilitar a aprovação do merger no Brasil? Não há ainda nenhum indício concreto neste sentido, até porque não existe nenhuma sinalização de que o restante da estrutura será desmontada (sem falar na estrutura da HBO, que não passou por nenhuma mudança, ainda que seja bem mais enxuta no país). Se houver a indicação de executivos para o lugar daqueles que saíram, esta especulação perde sustentação. Do contrário, pode haver de fato um caminho para a AT&T e a Time Warner evitarem os entraves da regulamentação brasileira.
Fechar os escritórios da Turner e da HBO, desde que acompanhada de uma pequena alteração na IN 102/2012, pode eliminar todas as dores de cabeça da AT&T, sem que os brasileiros fiquem privados dos conteúdos Time Warner no país. Certamente, é um caminho muito menos complexo do que vender a Sky.
Se nada disso acontecer e o "deal" entre a gigante de telecomunicações e a gigante de mídia norte-americanas não encontrar um caminho para se concretizar apenas no Brasil, a AT&T poderia tirar os canais Time Warner da TV paga e distribuí-los apenas Internet. O fato é que as empresas de telecomunicações no mundo estão cada vez mais ávidas por conteúdo, para fazer frente às empresas de Internet. O caminho escolhido por empresas como AT&T e Comcast foi adquirir empresas de mídia. Durante o Mobile World Congress, realizado no começo do mês em Barcelona, o CEO da AT&T Entertainment, John Stankey, foi claro ao afirmar que essa estratégia é central para o grupo AT&T e que o caminho das empresas de telecom passa por uma diferenciação por meio dos conteúdos.