O conselheiro da Anatel Igor de Freitas não tem dúvidas de que, num ambiente pós-sinal analógico, as geradoras de TV aberta têm o direito de compactuar a cobrança de carregamento do sinal por parte da distribuidora de TV por assinatura na sua área de concessão. "Qualquer solução que venha a ser adotada precisa prever a possibilidade de bloquear canais com as distribuidoras locais com as quais não houver acordo", disse ele na sua apresentação na sessão do Congresso e Feira ABTA 2015 que tratou da questão do must-carry a partir da digitalização dos canais abertos. No entendimento do conselheiro, não há muito espaço para outra interpretação. Freitas lembra que as concessões de radiodifusão têm área determinada, e que é tecnicamente inviável para as operadoras de DTH carregarem todos os canais privados. A legislação prevê 14 grupos de canais que têm o direito de serem distribuídos pelas operadoras.
A discussão está em alta no momento em que a Anatel modificará a Regulamentação do Serviço de Acesso Condicionado (SeAC). Ela pode obrigar as operadoras de DTH a oferecerem também a caixa híbrida, o equipamento de recepção de TV digital aberta que possa também receber os sinais dos canais abertos locais. Igor de Freitas pediu vistas do processo para seu voto sobre a obrigatoriedade da caixa híbrida. Ele diz ser necessário levar em conta a viabilidade econômica para se permitir a entrada dos canais abertos na operação de DTH nos limites da concessão do radiodifusor.
Carlos Cidade, da Oi, acredita que não cabe aos operadores resolverem os problemas de competitividade que existam entre as redes de TV aberta. O regulador tem de ter serenidade para estruturar as questões relacionadas à competição", diz. Para ele, a solução da caixa híbrida corresponde a um alto custo e se faz necessária a observação de quem ficará responsável pela sua gestão no que tange aos canais abertos. A Oi é reconhecida por adotar uma estratégia agressiva de mercado na inclusão do sinal local digital da TV aberta (Rede Globo), já que conta com uma grande capacidade satelital. A Sky também carrega há muitos anos sinais regionais da TV Globo.
Para o especialista da FGV Arthur Barrionuevo, no cenário atual o que se vê é que uma rede já tem muitos canais locais colocados no DTH e as demais irão exigir o mesmo, ficando com as operadoras os custos de se arcar com o carregamento no satélite. Segundo ele, a AIR (Análise do Impacto Regulatório) tem de considerar os efeitos de isonomia de tratamento entre as redes de radiodifusão, num ambiente de competição saudável. "Isonomia não é tratar igualmente as diferenças", assinala, completando que a obrigatoriedade da oferta não garante a diversidade de conteúdo. "Não dá para se carregar os sinais regionais para todas as redes de forma igualitária e não faz sentido se incentivar a concorrência se os custos acabarão sendo repassados aos usuários dos serviços. Isso poderia distorcer em vez de promover o serviço", assinala.
O advogado Marcos Bitelli diz que, a partir do switch-off do sinal analógico, não existirá mais o "must carry" para a TV digital aberta. Mas alerta: "Também ele não poderá existir com outro nome". Para ele, com o fim do sinal analógico, há uma coerência lógica em se promover a negociação dos direitos autorais por meio de autorização de distribuição do conteúdo.
O posicionamento dos radiodifusores, exposto por Cristino Lobato Flores, da Abert, é no sentido que as redes terão o direito e poderão negociar.
Vale lembrar que a discussão toda ganhou um novo peso após o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) ter aprovado a entrada da ABTA e da Sky como terceiros interessados no ato de concentração da proposta de formação de joint-venture entre SBT, Record e RedeTV. As redes abertas vão licenciar seus canais para prestadoras de serviços de TV por assinatura mediante utilização de uma estrutura única.