Especialista diz que a Turner não infringe a lei por que não tem sede no Brasil

A presença da programadora no país com seus canais não qualifica como uma infração lei. (Imagem/Reprodução)
Para o advogado especialista em direito de comunicação e doutor pela PUC/SP, Marcos Bitelli, os canais estrangeiros da programadora Turner presentes na TV paga brasileira, como CNN, TNT e Cartoon, não caracterizam a atuação da Time Warner como programadora com sede no Brasil.

Na semana passada o presidente da Ancine, Manoel Rangel, falou no Conselho de Comunicação Social do Senado que o parecer da área técnica da Anatel,  que afirmava que a vedação do artigo 5 da Lei do SeAC não se aplicaria à fusão porque a atividade de programação da Time Warner não acontece no Brasil, "não resiste à análise de um advogado recém-saído da universidade, que sabe que a legislação tem que ser cumprida independentemente do país onde está sediada". A Ancine também iniciou um procedimento de apuração para investigar possíveis ilegalidades da operação à luz da Lei 12.485/2011, que baliza o mercado de TV paga, conhecida como Lei do SeAC (Serviço de Acesso Condicionado).

A Lei do SeAC veda a empresas de telecomunicações, no parágrafo 1 do seu artigo 5, "o controle ou a titularidade de participação superior a 30% (trinta por cento) do capital total e votante de concessionárias e permissionárias de radiodifusão sonora e de sons e imagens e de produtoras e programadoras com sede no Brasil". Por esta razão, se ficasse caracterizado que o grupo Time Warner tem a atividade de programação com sede no Brasil, isso poderia ser um problema para a aprovação da compra do grupo pela AT&T, que é controladora da Sky e, portanto, é uma empresa de telecomunicações.

Segundo Bitelli, o entendimento da legislação precisa começar pelo artigo 1 da MP 2.228/2001, que criou a Ancine, "e que define claramente o que é programação internacional em seu inciso 14". Bitelli lembra que essa definição foi trazida pela Lei 10.454/2002 e nunca foi alterada por nenhuma lei, nem mesmo pela Lei do SeAC (Lei 12.485/2011). O inciso 14 do artigo 1 da MP 2.228 define: "Programação internacional: aquela gerada, disponibilizada e transmitida diretamente do exterior para o Brasil, por satélite ou por qualquer outro meio de transmissão ou veiculação, pelos canais, programadoras ou empresas estrangeiras, destinada às empresas de serviços de comunicação eletrônica de massa por assinatura ou de quaisquer outros serviços de comunicação que transmitam sinais eletrônicos de som e imagem". Ou seja, segundo o advogado, é perfeitamente legal que uma programadora atue com canais no Brasil sem ter sede no país.

Segundo Bitelli, "a Lei do SeAC não diz que para ser programador você precisa ter sede no Brasil".  A confusão, diz ele, se dá por uma leitura equivocada do artigo 9, e é essa leitura que a Ancine estaria utilizando, diz ele. "O que o artigo 9 da Lei do SeAC diz é, simplesmente, que a atividade de programação é livre e independe de concessão, permissão ou autorização do poder público, já que é uma atividade privada não enquadrada como serviço público ". O artigo a que o advogado se refere fala, textualmente: "as atividades de produção, programação e empacotamento são livres para empresas constituídas sob as leis brasileiras e com sede e administração no País". Segundo Bitelli, é errado ler esse artigo como se apenas as empresas com sede e administração no país fossem livres para as atividades de produção, programação e empacotamento. "Isso seria contraditório com a MP 2.228, com toda a regulamentação da Ancine e até com todos os mecanismos de incentivo ao mercado existentes".

Bitelli lembra que tanto a programação estrangeira é prevista pela regulamentação que os mecanismos de fomento previstos no artigo 39 da MP 2.228/2001 quanto o artigo 3A da Lei do Audiovisual só se aplicam a programadoras internacionais, sem sede no país. "Se elas tivessem sede no Brasil, isso (a atividade de fomento) não poderia estar acontecendo há tantos anos".

Segundo Bitelli, tampouco existem contratos de programação com canais estrangeiros que tenham sede no Brasil, pelo simples fato de que não existe atividade de programação desses canais aqui. "Os contratos são feitos entre operadoras com sede no Brasil e programadoras com sede no exterior por esta razão".

Segundo ele, a única regra que de alguma maneira estenderia às programadoras estrangeiras as limitações existentes no artigo 5 da Lei do SeAC é o parágrafo 4 do artigo 5A da Instrução Normativa 91/2010 editada pela própria Ancine, mas que, segundo ele, seria ilegal. "Trata-se de uma norma completamente ilegal porque vai além do que a lei estabelece. É tão absurda quanto a IN 109/2012, que estabelece multas para empresas de telecomunicações que descumprirem o artigo 5 da Lei do SeAC", diz o advogado. "A Ancine não tem competência nem poder de polícia para fiscalizar o artigo 5 da Lei do SeAC, muito menos de aplicar multa sobre um setor que não é regulado por ela", diz Bitelli. Ele explica que como o artigo 5 da Lei do SeAC, que estabelece os limites à propriedade cruzada, transcende a atuação de uma única agência, só uma decreto ou a própria lei poderiam estabelecer a quem cabe o poder de fiscalização, e esse comando não existe.

Segundo Bitelli, a interpretação da procuradoria da Anatel sobre a questão, que foi em sentido contrário à análise da superintendência e entendeu que existiria uma possível ilegalidade caso a AT&T seja a controladora da Sky e da Time Warner, parte da premissa errada de que as subsidiárias da Time Warner no Brasil atuam como programadora. "A atividade dessas empresas tem outra natureza, de representação comercial e legal, venda de publicidade, e não de programação".

Análise

A leitura trazida pelo advogado Marcos Bitelli está em linha com a defesa que a AT&T tem levado às autoridades. A empresa,  obviamente, está tentando demonstrar junto aos reguladores brasileiros que não existe conflito na operação de fusão com a Lei do SeAC.

Ainda há pouca clareza sobre quem será o árbitro a decidir se a Lei do SeAC está ou não sendo descumprida no caso da fusão da AT&T com a Time Warner, já que nenhuma das agências tem a responsabilidade direta por essa fiscalização. Além disso, não é necessária a anuência regulatória para a operação, já que não existe transferência de controle de uma empresa regulada (a atividade de programação não requer outorga junto à Ancine, mas apenas um credenciamento). Tanto que a AT&T submeteu o caso apenas ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) por determinação da regulação concorrencial. O Cade solicitou à Anatel e Ancine apenas a manifestação sobre as implicações concorrenciais do caso, e não legais. Depois que este processo se iniciou, diversas programadoras pediram para acompanhar o caso como interessadas, com a concordância do Cade. A Abert foi a entidade que foi mais longe e se manifestou efetivamente contra a operação. A manifestação da Globosat, nesse aspecto, é sigilosa.

O grupo Time Warner, contudo, tem ainda um problema para resolver, que é a atuação do Esporte Interativo. Esse canal, ainda que não seja mais um canal com sede no Brasil depois que foi adquirido pela Turner,  é titular de contratos que podem caracterizar a propriedade de direitos esportivos, o que é também proibido pela Lei do SeAC, mas desta vez no artigo 6. Segundo este artigo, as prestadoras de serviços de telecomunicações não podem, com a finalidade de produzir conteúdo audiovisual para sua veiculação no serviço de acesso, adquirir ou financiar a aquisição de direitos de exploração de imagens de eventos de interesse nacional ou contratar talentos artísticos nacionais de qualquer natureza. O Esporte Interativo tem acordos com diversos clubes brasileiros para o Brasileirão a partir de 2019, por exemplo.

Caso prevaleça a interpretação de que a Lei do SeAC impede a AT&T de controlar a Time Warner, a gigante de telecomunicações terá que decidir se mantém o controle da Sky ou dos canais do grupo Time Warner atuantes no Brasil. Em termos de receita, a operadora de DTH é mais representativa, e o lógico seria, então, abrir mão da atuação no mercado de programação. Mas isso significaria que a CNN, por exemplo, um dos canais mais presentes nas operação de TV por assinatura do mundo, teria que ser excluído do lineup das operadoras do Brasil? Ou o Cartoon, hoje um dos mais populares, deixaria de ser exibido no país? Isso poderia levar a uma situação curiosa em que os canais da programadora passariam a ser distribuídos pela Internet, no modelo OTT, e nesse caso as limitações da lei não se aplicariam. Se isso vier a acontecer, talvez o processo de mudança do mercado de TV por assinatura em direção à Internet inclusive se acelere, com consequências imprevisíveis pra toda a cadeia.

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